DA PAIXÃO À PROFISSÃO
- Rogério Mateus
- 3 de mar. de 2020
- 6 min de leitura
Como não poderia ser diferente, já que o blog leva o meu nome e pretende também divulgar o meu trabalho, neste primeiro texto vou contar um pouco da minha história com a corrida de rua, atividade que surgiu em minha vida quase como uma diversão de criança e acabou diretamente ligada à minha carreira profissional.
Minhas primeiras lembranças correndo datam de quando eu tinha algo entre 11 ou 12 anos, nas aulas de Educação Física da escola pública estadual, onde estudei o curso primário, o ensino fundamental e todo o ensino médio. Alguns anos depois, passei a correr acompanhando um amigo, um pouco mais velho, nos treinos que ele fazia nos finais de semana para enfrentar uma exigente rotina em um quartel do Exército.
Até então, o ato de correr tinha relação apenas com meu gosto pelo esporte. Sempre gostei muito de esportes, praticava todas as modalidades que tinha oportunidade. O futebol foi a maior paixão, como quase todo garoto brasileiro, mas a minha sofrida habilidade – ou a total ausência dela – me levava quase sempre a jogar como goleiro, assim mesmo porque eu já era um pouco alto e caso fosse eu o dono da bola.
Sem talento para o futebol e com pouco dinheiro, correr acabou sendo uma alternativa atraente, pois não exigia grande talento nato, nem companhia para sua prática ou grandes investimentos financeiros. Na época, sem vislumbrar qualquer hipótese de competição, bastava, literalmente, calçar os tênis e sair para correr. As muitas vezes que ia de casa, na periferia, para o centro da cidade, para economizar a grana do ônibus, e os anos trabalhando como office boy (andando pela cidade de ponta a ponta) me ajudaram a manter um certo condicionamento e disposição para os treinos de corrida.
As provas de rua eram escassas. Em Jundiaí, cidade do interior de São Paulo, onde nasci e cresci, não havia mais do que uma ou duas por ano. Se não havia sequer organização básica, como o tradicional número fixado na altura do tórax dos atletas, a tecnologia atual (percurso aferido, chip de cronometragem, relógios com GPS) não era sequer um sonho delirante de algum atleta. Lembro-me de uma corrida onde o número, escrito a mão, ficava acondicionado dentro de um saquinho desses de geladinho e preso na camiseta por um alfinete, e, no final da prova, se encontrava o infalível, o inquestionável e incorruptível espeto! Bastava o atleta passar pelo funil de chegada, tirar seu número e espetá-lo...no espeto! Quando todos os atletas já tivessem terminado a prova, bastava virar o espeto de ponta cabeça e ali estava a classificação final. Era um método indiscutível, que não dava margem às queixas ou reclamações por parte dos atletas.
E essa escassez não ocorria apenas em cidades do interior, mesmo na capital paulista eram poucas as corridas. Até que surgiu a Corpore, uma associação formada por corredores e voltada para os corredores, que começou a profissionalizar o mundo das corridas de rua por aqui, tendo sido a primeira a preparar estrutura de grandes eventos para as provas. A partir disso, surgiram novas empresas e a organização de corridas de rua foi se transformando nesse negócio grande e lucrativo como o conhecemos atualmente. Em 1993, participei da primeira Maratona de Revezamento do Pão de Açúcar, a pioneira desta modalidade de prova e que incentivou muitos novos corredores, pelo prazer de correr em equipe e por ter a opção de um percurso de menos de 5km, o que não exigia muito tempo de preparo para os atletas iniciantes. Em Jundiaí, a primeira prova com nível maior de organização foi a Corrida da Unimed, que ocorria todos os anos, sempre no dia primeiro de maio, e da qual participei de todas as edições.
A PAIXÃO COMEÇA A VIRAR UMA RELAÇÃO SÉRIA
Então, no ano de 1995, chegava a hora de cursar o ensino superior. A necessária, temida, odiada e amada faculdade. E a minha dúvida era a mesma que aflige a cabeça e o coração de milhares de jovens todos os anos: qual curso fazer?
A Educação Física surgiu quase como uma consequência direta do meu estilo de vida. Unir o prazer de praticar esportes com o conhecimento e a ciência do corpo humano e das atividades esportivas, acrescidos de um curso cuja mensalidade cabia (com muito custo, é claro) no meu orçamento, era juntar a fome, a vontade de comer e ter um banquete todo a minha disposição.
No decorrer da faculdade, não demorou até eu ter certeza de ter escolhido o caminho certo para a minha carreira. Mas tão importante quanto aprender sobre a ciência da preparação física, sobre os ciclos de treinamento, fisiologia, anatomia e cinesiologia foi entender os benefícios das atividades esportivas e ver na prática como o esporte pode mudar para melhor a vida de muitas pessoas. Convicto de que iria trabalhar com esportes, procurei aperfeiçoar meu conhecimento teórico, o que me levou a cursar uma Pós-Graduação em Treinamento Esportivo, além de diversos outros cursos extracurriculares na mesma área.
DE CORREDOR DE RUA A COACH DE CORREDORES DE RUA
Para adquirir experiência prática, trabalhei em algumas academias, em Jundiaí e região. Enquanto isso, continuei cada vez mais disciplinado na prática da corrida e no hábito de incentivar outras pessoas a correr.
No ano de 2005, fui convidado a fazer parte da equipe do INSTITUTO CARBONARI, uma clínica de fisioterapia, reabilitação e condicionamento físico. Ali, tive liberdade total para exercer minha profissão e, literalmente, colocar os alunos para correr.
Como consequência direta, não demorou muito para vislumbrarmos a possibilidade de oferecer um serviço voltado exclusivamente para a prática da corrida. E foi assim que surgiu a ASSESSORIA DE CORRIDA INSTITUTO CARBONARI. Exerço a função de responsável técnico da assessoria, mas reconhecendo que a empreitada não teria êxito sem o trabalho sério de uma equipe de fisioterapeutas, além de contar com parcerias com nutricionistas e ter à disposição uma equipada academia, onde os alunos podem praticar exercícios de fortalecimento, atividade de vital importância para os praticantes de corrida.
Como treinador, tenho a missão de entender os interesses e objetivos de cada aluno com a corrida e, a partir daí, orientar, planejar e preparar os treinamentos, tendo como foco principal a evolução com total segurança. Para isso, cada aluno recebe uma planilha individualizada com seus treinos, de acordo com sua meta.
Mas não deixamos de pensar na questão social, da integração, da cooperação e dos vínculos de amizade. Por mais que a corrida pareça ser um esporte individual, o grupo, a equipe, tem uma importância fundamental na manutenção e no desenvolvimento da rotina de treinamentos.
Uma prática diferenciada, que acabou se tornando uma marca registrada da nossa Assessoria de Corrida Instituto Carbonari, é a de incentivar o treinamento em grupo e em locais diferentes. Realizamos dois encontros semanais, sempre com a minha presença, pois acredito que o treinador deva estar sempre presente, vendo seu atleta correr para orientar, corrigir e tirar todas as dúvidas. É fundamental que o atleta se sinta assistido e seguro do que está fazendo, por isso sempre dou a opção e incentivo o treino presencial.
Um dos maiores erros cometidos pelos praticantes de corrida novatos é o aumento exagerado do volume de treinos, num corpo não preparado para tal esforço e impacto. Com um treinamento correto, seguindo os princípios do treinamento físico e, principalmente, respeitando o tempo de descanso necessário, a evolução de cada atleta é de fácil percepção e quantificação. E esse rápido processo de evolução se torna uma grande vantagem, para nós, treinadores, quando se trata de conseguir novos praticantes. A partir de uma orientação precisa, feita com seriedade, na qual fica estabelecida uma progressão gradual e segura, em pouco tempo quem não corria nada passa a correr um minuto, depois dois, três e rapidamente chega-se aos trinta minutos. Daí em diante, as distâncias passam a ser as referências e as metas, com o atleta encarando uma prova de 5 quilômetros, depois outra de 10 quilômetros e assim sucessivamente evoluindo.
Para demonstrar aos alunos que tudo isso é possível, faço uso da minha própria experiência prática. Não sei ao certo, mas nesses mais de 25 anos já devo ter participado de cerca de 300 provas, das mais variadas distâncias. Entre elas, corri algumas maratonas (tema este que merece, e terá, um texto especial no blog). Também realizei o planejamento e preparação de muitos alunos, dos mais diversos níveis. E ver o sorriso no rosto de um aluno ao terminar uma prova, sejam seus primeiros 5km da vida, ou a décima maratona, para mim, é de uma satisfação imensa, algo quase impagável materialmente.
DESAFIOS? QUE VENHAM!
Desde o começo da minha vida de corredor, depois como coach, foram muitos desafios impostos. E, para quem acredita, desafio imposto logo se torna um desafio vencido. Foram muitas provas realizadas e superadas. Um dia, já nutri o desejo de encher um ônibus com alunos para participarem de alguma prova. Consegui. Não só uma, algumas vezes. Em 2019, tivemos mais de 60 participantes da nossa equipe na Corrida Wine Run, em Bento Gonçalves, o que nos valeu o título de maior equipe. Um feito e uma tremenda satisfação pessoal.
E, para 2020, nossas pretensões são as mais ambiciosas. Não temos um ônibus para lotar, temos quase um avião inteiro para, em junho, irmos com mais de 80 pessoas, entre atletas e familiares, para uma corrida também no Sul do país. Muito maior e melhor do que qualquer sonho que já nutri. Sentimento de gratidão, e outro ainda maior de responsabilidade, por organizar um evento de tal porte, é o que me toma. E é por este e outros desafios que quero que vocês continuem nos seguindo aqui, no que já posso chamar de nosso blog.
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